Muito se tem falado nas últimas semanas acerca da criação de Conselhos de Comunicação Social pelos Estados. Diversos veículos de comunicação de projeção nacional, além de entidades como a OAB, vêm tratando do assunto de forma negativa, sob o fundamento de que a criação de tais conselhos representará obstáculo à liberdade de expressão e, consequentemente, ameaça à democracia.
Tais críticas, contudo, têm sido feitas sem uma análise mais profunda da questão, e têm indisfarçável intuito de remeter aos anos sombrios da ditadura militar —que, inclusive, lembremo-nos, contou com o respaldo de diversos veículos de comunicação que hoje se arvoram em defensores da liberdade de expressão e da democracia —, e, assim, convencer pelo medo. Nada, contudo, se tem falado dos deveres da imprensa impostos pela nossa Constituição e que tais conselhos contribuiriam para implementar.
A própria Constituição, aliás, em seu artigo 224, determina a criação de um Conselho de Comunicação Social junto ao Congresso Nacional (que, instituído pela Lei 8.389/91, foi instalado em 2002, mas, infelizmente, foi sendo esvaziado e hoje praticamente já não funciona). Ora, o que certos Estados vêm propondo, então, não é nenhuma invencionice, mas tão-somente a criação no âmbito estadual de algo que já existe no âmbito federal; e que, ao contrário do que se vem dizendo, não tem nada de inconstitucional — aliás, muito pelo contrário, pois a proposta de tais conselhos é exatamente implementar as diretrizes traçadas pela Constituição Federal. Além disso, ao franquear a participação de representantes da sociedade em seu quadro, tais conselhos encaminham-se a um aprofundamento da democracia em sua forma mais genuína, a democracia direta.
Também não se trata de coisa de país subdesenvolvido, nem se vincula a uma ideologia atrasada, estatista, totalitária. Países com democracia sólida têm órgãos com funções semelhantes aos Conselhos de Comunicação Social como vêm sendo propostos por aqui. Os Estados Unidos, por exemplo, tem o FCC — Federal Communications Commission, que, entre outras coisas, tem a competência para impor sanções civis, revogar ou negar a renovação de licenças em caso de violação da lei federal de comunicações.
Qual o motivo de tanta grita, então, se a proposta está em consonância com a Constituição e é potencialmente benéfica para a democracia? Uma primeira razão para isso seria a mui humana aversão à crítica ou a medidas que tragam aumento de obrigações. Com efeito, a imprensa estaria inevitavelmente sujeita à crítica nos debates, pesquisas e conferências organizados pelos conselhos, que teriam, ainda, a atribuição de se empenhar para que fossem cumpridos os deveres a ela impostos pela Constituição — como, por exemplo, o dever de dar mais espaço à cultura nacional e regional e preferência a conteúdos educativos e culturais.
Uma segunda razão seria o apego a certos privilégios de que gozam alguns veículos de comunicação — e, consequentemente, os segmentos sociais que se sentem por eles representados — de influenciarem sociedade e governo em seu único e exclusivo favor, pouco se importando com o bem comum ou com normas éticas do jornalismo. Tamanha influência decorre da sua concentração nas mãos de um único grupo ou de grupos com interesses conexos, o que desafia o parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição, segundo o qual “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
Tais conselhos, se cumprirem com seus objetivos, terão papel importante na solução desse problema ao contribuir — com estudos, pareceres, pesquisas e encaminhamento de propostas legislativas, além de outros mecanismos — para a democratização da imprensa, abrindo espaço para que grupos representativos de diversos segmentos da sociedade e de variadas matizes ideológicas tenham oportunidade de expor suas ideias; pois é verdade que o direito à livre manifestação do pensamento é pressuposto da democracia, mas também é verdade que é igualmente importante que tal direito seja garantido a todos, independentemente de sua classe social ou filiação ideológica, e de forma substancial, positiva, não apenas formal. Com efeito, o direito fundamental à liberdade de expressão não se esgota com a imprensa livre; a imprensa precisa ser também democrática. Que possam falar o que quiser, e que possam falar todos, eis o direito fundamental à liberdade de imprensa e expressão em sua forma plena.
O desafio dos veículos de comunicação e outras instâncias da sociedade civil organizada é mostrar que estão comprometidos com esse ideal e, consequentemente, que estão dispostos a dar sua contribuição para a implantação dos Conselhos de Comunicação Social, e, feito isso, para que eles se mantenham sempre orientados pela busca de uma imprensa socialmente responsável, livre, ética e democrática, como quer a nossa Constituição.